Semana D Drummond!

Já fazem cinco anos que o Instituto Moreira Salles criou e vem difundindo o dia "D" Drummond, inspirado na vida e obra do poeta Carlos Drummond de Andrade. Suas obras poéticas, e inesquecíveis, para àqueles que as leem, nos fazem voltar ao tempo perdido, ao tempo que já passou e com seus pensamentos podermos viajar sobre as ondas de letras que nos embalam por outros ditos. Sendo assim, eu também me prontifico a divulgar esta arte que admiro e com isto, quem sabe, poder ajudar um pouco para a promoção do saber!
bem vindos a semana "D" Drummond!


Fonte: imagem divulgação

RETRATO DE FAMÍLIA

Este retrato de família
Está um tanto empoeirado.
Já não se vê no rosto do pai
Quanto dinheiro ele ganhou.

Nas mãos dos tios não se percebem
As viagens que ambos fizeram.
A avó ficou lisa, amarela,
Sem memórias da monarquia.

Os meninos, como estão mudados.
o rosto de Pedro é Tranquilo,
usou os melhores sonhos.
E João não é mais mentiroso. 

O jardim tornou-se fantástico.
As flores são placas cinzentas.
E a areia, sob pés extintos,
É um oceano de névoa.

No semicírculo das cadeiras
Nota-se certo movimento.
As crianças trocam de lugar,
Mas sem barulho: é um retrato.

Vinte anos é um grande tempo.
Modela qualquer imagem.
Se uma figura vai murchando,
outra, sorrindo, se propõe.

Esses estranhos assentados,
meus parentes? Não acredito.
São visitas se divertindo
numa sala que se abre pouco.

Ficaram traços da família
perdidos no jeito dos corpos.
Bastante para sugerir
que um corpo é cheio de surpresas.

A moldura deste retrato
em vão prende suas personagens.
Estão ali voluntariamente,
saberiam - se preciso - voar.

Poderiam sutilizar-se
No claro-escuro do salão,
Ir morar no fundo dos móveis
Ou no bolso de velhos coletes.

A casa tem muitas gavetas
e papéis, escadas compridas.
quem sabe a malícia das coisas,
quanto a matéria se aborrece?

O retrato não me responde,
ele me fita e se contempla
nos meus olhos empoeirados.
E no cristal se multiplicam

os parentes mortos e vivos.
já não distingo os que se foram
dos que restaram. Percebo apenas
a estranha ideia de família

viajando através da carne.

(DRUMMOND, 2012, p.220, volume I)

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